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Crítica – Estou Pensando em Acabar com Tudo

Escrito e dirigido por Charlie Kaufman a partir do livro de mesmo nome de autoria de Iain Reid, este Estou Pensando em Acabar com Tudo se apresenta como um suspense, mas não é um suspense típico. A tensão não vem exatamente de uma ameaça externa, de um inimigo que ameace os personagens, a tensão vem das próprias ansiedades da protagonistas conforme ela mergulha cada vez mais em seus pensamentos.

Na trama, a protagonista (Jesse Buckley) está indo com o namorado, Jake (Jesse Plemons), para conhecer os pais dele que ainda moram na pequena cidade rural em que Jake nasceu. Ao longo do trajeto, ela começa a pensar em terminar tudo com Jake e vai aos poucos tentando elencar, em sua mente, razões para continuar ou terminar com o namorado, dando início a um longo mergulho em sua psique.

Se no início parece que estamos diante de um típico filme de discussão de relacionamento, depois que o casal chega na casa dos pais de Jake fica evidente que o modo como a trama é narrada é qualquer coisa menos convencional. Como é comum nos materiais produzidos por Charlie Kaufman, realidade e subjetividade se misturam ao ponto em que não sabemos mais separar as duas coisas.

Talvez até nada do que vimos tenha acontecido realmente e tenha sido inteiramente imaginação da protagonista, embora saber separar o que é real do que é imaginado não seja exatamente importante aqui. Importa mais o que esses passeios pelo fluxo de consciência da protagonista dizem sobre ela e sua visão de mundo. A tensão principal dela vem da incerteza quanto ao relacionamento e as cenas na casa dos pais de Jake em que ela parece transitar entre o passado e futuro do namorado parecem transmitir as inquietações dela e se manter ao lado da mesma pessoa durante muito tempo e perder a noção.

Há na personagem principal uma constante inquietação de que nada é feito para durar, de que relacionamentos devem acabar, mas que a pessoas não o fazem por comodismo ou preguiça. É difícil não ouvir as ponderações da personagem e não pensar na ideia de modernidade líquida proposta por Zygmunt Bauman, a ideia de que hoje tudo é consumido, gasto e acabado muito rápido, até mesmo os afetos e relacionamentos. A protagonista é uma representação dessa modernidade líquida, inquieta e pessimista com a possibilidade de que algo dure ou em que ponto exatamente as coisas devem acabar.

Do mesmo modo, as escolhas de Kaufman em misturar tempos, realidades e até personagens que não parecem ter muito a ver com a trama, como um zelador de escola que assiste a uma comédia romântica, se relacionam com uma clara intenção de desestabilizar o espectador e tirá-lo da zona de conforto. Isso fica evidente na cena em que Jake e a protagonista conversam sobre a ideia de sociedade do espetáculo proposta por Guy Debord, criticando a sociedade contemporânea por se acomodar em consumir as mensagens pasteurizadas dos meios de comunicação de massa, dócil em ver seu mundo e suas vidas reduzida a um mero produto espetacularizado para o entretenimento.

Ao construir imagens disjuntivas, que quebram a ordem natural de tempo, espaço e principalmente de lógica narrativa causal, a impressão é que Kaufman quer nos tirar desse torpor causado pelas imagens espetaculares que o termo de Debord afirma serem produzidas de maneira contínua pela comunicação de massa apenas para reafirmarem as mesmas coisas. Aqui Kaufman guia as reflexões da personagem por múltiplas direções como se sendo fiel ao fluxo de pensamento de alguém tomada por incerteza, ansiedade e insegurança. Nem todos os caminhos, no entanto, rendem coisas interessantes e no meio do percurso o filme se entrega a alguns desvios e digressões que parecem acrescentar pouco aos temas centrais. Claro, esses são apenas alguns caminhos interpretativos que tomei com base dados que o filme me deu, mas certamente existem aqui outras possibilidades, já que parece o tipo de obra feita para se abrir a múltiplas leituras.

Ainda assim, Estou Pensando em Acabar com Tudo é um exame competente das inquietações contemporâneas sobre relacionamentos, afetividade e nossa relação com tempo e memória.

8 /10
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