Misturando comédia e thriller, a produção Um Pequeno Favor (2018) foi uma divertida surpresa por conta da interessante dupla de protagonistas. Era, no entanto, uma história que não pedia continuações e que provavelmente, considerando o desfecho rocambolesco do filme, não teria muito a ganhar expandindo a história. Ainda assim o filme recebeu uma sequência neste Outro Pequeno Favor e o resultado é exatamente o que eu temia.
True crime suburbano
Depois dos eventos do primeiro filme, Stephanie (Anna Kendrick) lançou um livro narrando toda sua experiência que viveu com Emily e transformou seu canal sobre maternidade em um canal de true crime, embora não tenha obtido o sucesso esperado. Tudo muda quando Emily (Blake Lively) reaparece em sua vida, chamando Stephanie para seu casamento na Itália. De início Stephanie reluta, mas aceita o convite quando Emily ameaça processá-la pelo uso indevido de seu nome e imagem no livro. Chegando na Itália, Stephanie descobre que o noivo de Emily, Dante (Michele Morrone), é membro de uma poderosa família mafiosa. As coisas se complicam quando corpos começam a aparecer na festa de casamento.
Como no primeiro filme, o que há de mais interessante é a dinâmica entre a banal Stephanie e a aventureira Emily. Há um constante de provocações e trocas espirituosas entre as duas que sempre rende boas risadas. Muitas situações também extraem humor do descompasso entre a certinha Emily ser inserida nesse universo de criminosos e trambiques de Emily. Blake Lively, por sinal, continua ótima na ambiguidade de Emily, embora ela seja menos eficiente aqui uma vez que já sabemos que ela é uma golpista e certamente há algo que ela esconde de Stephanie. Lively também é eficiente em discernir entre mais de uma personagem, mas falar mais a respeito disso seria estragar algumas reviravoltas.
As qualidades da produção, no entanto, param aí. Todo os demais personagens ou são caricaturas grosseiras que mais irritam do que fazem graça ou são tão insossos que não despertam qualquer reação. O galã italiano Michele Morrone sempre diz suas falas com a mesma cadência inexpressiva e olhar de peixe morto, falhando até mesmo em fazer Dante soar ameaçador a despeito de sua figura larga e de quase dois metros de altura. A agente literária de Stephanie, Vicky (Alex Newell), se limita a ser histérica e comentar sobre a trama, desaparecendo completamente no terço final, sendo bem estranho que uma ela não faça qualquer esforço para tentar soltar a cliente ou conseguir um advogado para ela.
Golpe triplo
O desenvolvimento da trama é cheio de conveniências e elementos que não fazem muito sentido. A morte do primeiro marido de Emily passa sem praticamente qualquer repercussão, sendo que a morte de um cidadão dos Estados Unidos sob circunstâncias suspeitas seria, ao menos, alvo de investigação das autoridades do país, mesmo que os italianos já tivessem considerado como acidente.
Do mesmo modo, é difícil crer que a mãe de Dante, uma criminosa experiente, fosse crer que Stephanie era culpada de um assassinato quando havia qualquer evidência disso. Em dado momento, Stephanie encontra uma agente do FBI tão incompetente que cheguei a pensar que fosse parte do golpe, já que é difícil crer que uma oficial chegaria a um posto daqueles sendo tão ruim em seu trabalho. É o tipo de coisa que faria sentido se fosse um policial de cidade pequena, mas não como uma agente federal atuando no exterior monitorando crimes internacionais.
A resolução do mistério é simultaneamente previsível e desonesta. Previsível porque era óbvio que uma atriz como a Allison Jenney, que interpreta uma tia de Emily, não seria trazida só para ser uma coadjuvante descartável, sendo óbvio desde o início que ela tinha um papel fundamental no golpe. Por outro lado, ao repetir a reviravolta do primeiro filme, que já era desonesta lá porque a possibilidade nunca fora levantada pela trama, a narrativa mais uma vez trapaceia o espectador ao inventar do nada uma personagem que o público sequer considerava a existência até ela ser mencionada. Até mesmo algumas decisões no final não fazem sentido, como o modo pelo qual Emily evita voltar para a cadeia, afinal se a personagem que toma seu lugar era obcecada por Emily e não queria ficar longe dela, porque ela aceitaria algo que definitivamente a manteria longe? A impressão é que o texto só está preocupado em encadear reviravoltas surpreendentes sem se preocupar se isso é coerente com as personalidades que estabeleceu para suas personagens ou com o regime de verossimilhança que estabeleceu para si.
O resultado é que apesar da carismática dupla de protagonistas, Outro Pequeno Favor tropeça em uma trama excessivamente bagunçada, cheia de desenvolvimentos implausíveis e personagens mal construídos.
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