Dicas Netflix

Crítica – Vinagre de Maçã

Depois de Inventando Anna (2022) a Netflix traz outra minissérie baseada em uma influencer trambiqueira neste Vinagre de Maçã. A essa altura é bem possível que isso vire um subgênero em si considerando que histórias de influencers que ganharam notoriedade mentindo existem a rodo e que essas histórias são sintomas do nosso zeitgeist no qual aparentar ser ou fazer algo é mais importante do efetivamente ser ou fazer aquilo que se clama.

Charlatanismo tóxico

A narrativa conta a história real de Belle Gibson (Kaitlyn Dever), uma influencer que se tornou famosa ao criar uma marca de produtos naturais dizendo que essa mudança de alimentação a fez se curar de um câncer no cérebro. Só tem um problema nessa história, Belle não tem nem nunca teve câncer. Em paralelo acompanhamos a história da também influencer Milla Blake (Alycia Debnam-Carey), que tinha um tumor no braço, mas diz ter se curado com base em uma dieta de sucos e enemas de café. Diferente de Belle, Milla (que provavelmente foi baseada na figura real de Jessica Ainscough) tem realmente câncer e é a história dela e de como ela se tornou famosa na internet na qual Belle se baseia para criar toda a sua ficção.


O arco das duas personagens mostra como se criou todo esse mercado multimilionário da “medicina alternativa”, que em muitos casos é um termo que serve como eufemismo para charlatanismo, que foi abraçado por grandes empresas e celebridades quando viram o enorme potencial de lucro. É um mercado que se forma, entre outras coisas, pela precarização dos serviços de saúde e o encarecimento do acesso a eles, principalmente em países sem um sistema público de saúde como os EUA. Assim, é fácil pegar pessoas com problemas de saúde sérios e sem dinheiro para pagar tratamento oferecendo “curas milagrosas” à base de suco ou de enfiar café no ânus. Inclusive não deixa de ser irônico que a Netflix tenha produzido essa série sendo que anos atrás esse mesmo streaming lançou uma série documental sobre a empresa de produtos naturais de Gwyneth Paltrow praticamente servindo como uma longa publicidade para o charlatanismo promovido pela atriz hollywoodiana que enriqueceu ainda mais vendendo supostos tratamentos sem qualquer validade científica.

Ao longo da série vemos as consequências de aderir aos discursos de Milla, com ela própria deixando de acompanhar os tumores em seu braço e a doença piorando por conta disso. Ela também estimula a mãe, que descobre um tumor colorretal, a aderir ao mesmo tratamento alternativo e largar mão da medicina convencional, o que leva a consequências trágicas. Ao longo da história de Milla vemos como ela se torna mais insegura e instável conforme ela percebe que seu tratamento alternativo não dá resultado, mas se recusa a admitir isso. Afinal, ela construiu toda uma persona virtual criticando a medicina tradicional e voltar atrás certamente arriscaria sua fama virtual, credibilidade e contratos publicitários, então ela se comporta como se não tivesse escolha a não ser dobrar sua aposta em tratamentos ainda mais obscuros e duvidosos.

É algo que ilustra muito bem o conceito de “captura pela audiência” (ou audience capture em inglês) no qual um produtor de conteúdo fica preso em um loop constante de dizer aquilo que sabe que sua audiência quer ou ouvir ou que vai gerar engajamento e assim passa a dedicar seu tempo apenas nesse tipo de conteúdo demandado abrindo mão de seus princípios ou preferências em prol desse senso de recompensa (financeira, social, etc) que recebe ao dar exatamente aquilo seu público quer. Capturada pela sua audiência e presa em suas próprias crenças radicais (em parte por não querer amputar o braço, como sugerido pelos médicos no início), Milla arrasta a si mesma, sua mãe e possivelmente várias pessoas que a seguem em direção a autodestruição. Nesse sentido, o arco de Lucy (Tilda Cobham-Hervey), uma seguidora de Belle que abandona seu tratamento de câncer de mama para buscar as supostas soluções entregues pela influencer, soa redundante já que a trama de Milla serve como exemplo do que pode acontecer quando se adere completamente a esse tipo de promessa e se abre mão da medicina.

Camadas de narcisismo

Diante disso tudo seria fácil reduzir Belle a uma pessoa meramente desprezível (não que ela não seja na série), no entanto, a narrativa tem o cuidado de examinar o que a moveu para esse caminho, fazendo isso sem jamais usar essa empatia como desculpa para relativizar seus atos. A série mostra a vida de solidão que ela teve, ignorada por uma mãe narcisista que não se importava com ela, descobrindo desde muito nova que fingir um mal estar era uma maneira eficiente de atrair atenção das pessoas.

Alguém que cresce com ideias problemáticas acerca de como as pessoas se relacionam e que mesmo tentando atrair a atenção das pessoas com anúncios de problemas de saúde ainda é alguém tão solitária e profundamente carente que seu desespero por contato e atenção acaba repelindo as outras pessoas. Ao longo da série vemos como ela está tão acostumada a ser rejeitada pelas pessoas que a qualquer mínimo indício de uma interação negativa, como acontece na cena em que ela está com um grupo de mães e alguém faz um comentário que ela não gosta, Belle imediatamente reage com agressividade, fazendo comentários ofensivos a seus interlocutores como que encerrando a relação em seus termos antes de ser rejeitada para não ter que lidar com mais uma rejeição.

O arco de Belle também mostra como ela é uma pessoa inteligente, atenta e pró-ativa que poderia ter prosperado de maneira legítima se tivesse algum reconhecimento ou uma criação mais saudável. Como ela foi sempre ignorada ou subestimada, a personagem carrega consigo uma boa medida de frustração por sentir que ninguém nunca notou do que ela é capaz, recorrendo a expedientes desonestos para chamar atenção.

Kaitlyn Dever trabalha muito bem essas várias camadas de Belle, nos fazendo a solidão, insegurança e carência que movem a personagem, mas deixando evidente também o narcisismo egoísta que a impele a continuar mentido e a ignorar as necessidades de qualquer um a sua volta desde que ela consiga o que quer. Por mais que a série nos mostre as várias ocorrências trágicas de sua vida, ela também nos revela as várias maneiras pelas quais o narcisismo e picaretagem de Belle causaram dano a outras pessoas, inclusive com promessas de doações em dinheiro para ONGs e pessoas que necessitavam desses recursos para pagar tratamento e esse dinheiro nunca veio.

Narrativa x verdade

No início desse texto falei como a série capturava muito bem o espírito de nosso tempo em relação à dinâmica da sociabilidade online em que vender a aparência de algo é mais importante do que efetivamente ser aquilo que você diz ser. É algo que a minissérie The Dropout trabalhou muito bem, analisando o motivo de figuras como Elizabeth Holmes prosperarem é que as pessoas que financiam startups de tecnologia estão mais interessadas em quem performa uma certa conduta de pessoa empreendedora do que em quem é capaz de efetivamente explicar e demonstrar a ciência por trás de seus inventos.

Aqui, a série expande essa ideia de uma sociedade que valoriza performance para além deste ambiente de empreendedorismo. A narrativa nos mostra como a lógica algorítmica das redes sociais, nos quais nosso feed ou timeline é customizado de acordo com nossos hábitos e preferências nos prende em bolhas de informação que dão uma falsa impressão de consenso e uma certeza equivocada de que a realidade condiz completamente com nossas crenças. É um ambiente que valoriza mais a criação de narrativas que validam as ideias dos usuários, que buscam conteúdos que confirmam seus vieses, do que a verdade em si. Isso porque é mais fácil um usuário engajar com um conteúdo que valida suas visões de mundo do que algo que o faça questionar suas percepções.

A verdade, portanto, pode ser menos lucrativa do que uma boa narrativa nesses ambientes digitais e o arco de Belle ao longo da série mostra como isso é problemático. Durante a narrativa vemos como Belle rapidamente adquire fama e assina contratos milionários com grandes empresas como Apple ou com a Penguin Books sem que ninguém faça o mínimo de diligência em pesquisar se tudo que ela diz é verdade. Não é uma negligência fruto de incompetência, estamos falando de grandes corporações com robustos departamentos jurídicos com recursos para investigar e vetar qualquer novo contratado. O motivo dessas empresas não fazerem isso é que, na verdade, elas não querem saber. A verdade não importa, o que importa é ter uma narrativa que atraia a atenção das pessoas. A editora do livro de Belle chega a explicitamente dizer isso ao mencionar que o livro tem potencial não pelas receitas, mas pela história de superação que ele entrega e mesmo quando Belle é desmascarada ela defende que a história do livro ainda é inspiradora o suficiente para vender.

Ou seja, desde que seja possível lucrar, plataformas como Instagram e grandes marcas que fazem publicidade com esses influencers pouco se importam se o que eles dizem é verdade ou mentira, desde que eles construam uma narrativa que seja suficientemente interessante para chamar a atenção dos usuários em um ambiente cuja atenção é cada vez mais difusa. Assim como Belle, ninguém questiona a versão de Milla de que ela ficou totalmente curada com seu tratamento alternativo, nenhuma marca verifica coisa alguma, pede um exame ou a opinião de médicos, elas simplesmente assinam com essas influencers porque veem potencial de lucro. A verdade não importa, ela é só um empecilho no caminho de uma boa e rentável narrativa.

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