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Crítica – Os Pequenos Vestígios

É curioso que o título e a fala do protagonista deste Os Pequenos Vestígios, produção da HBO Max, falem sobre a importância de prestar atenção nos pequenos detalhes já que a trama e o desenvolvimento dos personagens é apoiada nos maiores lugares comuns de narrativas policiais com pouco detalhamento ou nuance para as situações ou indivíduos. Mesmo quando tenta virar do avesso alguns elementos típicos do gênero próximo ao final, nada funciona como deveria.

A trama se passa em 1990, Deacon (Denzel Washington) é um policial que foi transferido para o interior da Califórnia depois que uma investigação deu errado. Ele volta a Los Angeles para realizar uma burocrática coleta de provas, mas acaba conhecendo o jovem e obstinado detetive Jimmy (Rami Malek) que está caçando um serial killer e se envolve na investigação dele. A busca leva a dupla ao estranho Albert Sparma (Jared Leto), que pode ser o culpado.

É a clássica estrutura de um veterano cínico e calejado com um parceiro mais jovem e idealista que já foi tão explorado nesse tipo de narrativa e o diretor e roteirista John Lee Hancock não consegue fazer nada de interessante com esses dois personagens além de seguir os clichês dos arquétipos aos quais eles estão conectados. Há uma tentativa de fazer uma releitura do movimento noir da década de 1940, com um universo de violência e desencanto, no entanto, durante boa parte do filme Hancock faz pouco além de reproduzir elementos de outrora ao mesmo tempo que conduz tudo como se reinventasse a roda, ignorando que produtos como Los Angeles: Cidade Proibida (1997)ou Cidade dos Sonhos (2001) já tinham feito releituras do noir bem mais interessantes décadas atrás.


A todo momento Deacon dá monólogos batidos sobre como a violência que testemunha prova a inexistência de Deus e outras falas desencantadas com a humanidade que se julgam muito mais espertas do que realmente são. Esses solilóquios carecem da eloquência niilista tanto de detetives clássicos do noir interpretados por Humphrey Bogart ou exemplares mais contemporâneos como o detetive Somerset (Morgan Freeman) de Seven (1995) ou o Rust (Matthew McConaughey) da primeira temporada de True Detective. Estilisticamente a produção é bastante genérica, distante da construção atmosférica que é típica do noir e adotando uma abordagem naturalística que nunca evoca esse senso de uma metrópole corrompida que o texto nos informa. A única exceção são algumas visões que Deacon tem com as mulheres mortas.

A ambientação na década de 90 não tem muita repercussão na narrativa. Normalmente quando se escolhe um período temporal específico é porque se tem algo a dizer sobre esse momento, essa sociedade ou essa cultura, mas aqui não faz a menor diferença. A Los Angeles de 1990 passava por um período de instabilidade social por conta das múltiplos casos de brutalidade policial e os protestos civis contra essas ocorrências, mas o filme nunca aproveita esse contexto histórico e a escolha da época soa gratuita.

Talvez isso tenha acontecido porque o diretor vem trabalhando nesse roteiro desde a década de 90 e estava fixado nesse período, decidindo manter a trama nessa época. Essa informação também ajudaria a entender porque o filme soa tão anacrônico, tratando como uma grande reinvenção ou redescoberta coisas que as narrativas policiais hollywoodianas tem feito (e bem melhor do que aqui) de maneira recorrente nas últimas décadas.

As coisas se tornam menos entediantes uma vez que o Sparma interpretado por Jared Leto entra na trama. Claramente um sujeito desequilibrado, Leto dá a ele uma ambiguidade que nos deixa incertos se ele é só um doido querendo chamar atenção ou se é um hábil psicopata manipulando todos ao seu redor. Isso ajuda a trazer a tensão e suspense que se espera desse tipo de trama, embora as interações entre Sparma, Jimmy e Deacon lembrem bastante a dinâmica entre Somerset, Mills e John Doe em Seven.

O final (e deixo evidenciado que os parágrafos a seguir contêm SPOILERS) tenta subverter a típica conclusão racional do gênero em que o crime é explicado e tudo volta ao normal ao deixar o espectador com uma investigação irresoluta. O problema, mais uma vez, é que Hancock trata isso como um movimento de grande ousadia ignorando que essa construção da indeterminação já vem sendo feita há anos, Amnésia (2000), A Promessa (2001), Ilha do Medo (2010) ou Vício Inerente (2014) já deixavam o espectador com esse incômodo de não saber plenamente ao invés do conforto da certeza de uma explicação e uma reafirmação da capacidade do raciocínio humano em dar ordem ao caos social.

O problema nem é tanto que ele está fazendo algo que já foi feito, a arte não precisa ser necessariamente inédita para encantar, mas que aqui essa indeterminação tem pouco impacto sobre os personagens ou como o espectador reage eles. Se o final de Amnésia nos deixava incertos e horrorizados se Leonard iria continuar se deixando esquecer e vagar pelo país matando pessoas aleatórias ou o desfecho de A Promessa levava o protagonista interpretado por Jack Nicholson à loucura com a incerteza de não ter resolvido o crime, aqui não há muita repercussão para os personagens.

Deacon segue corrompendo o trabalho policial para esconder erros e excessos. Jimmy abre mão de seus princípios e integridade, mas não sofre qualquer consequência, nem mesmo um peso na consciência, já que o final deixa o personagem com uma confirmação de que ele fez a coisa certa. Sim, nós sabemos que é mentira e entendemos o porquê de Deacon criar essa farsa, mas para o personagem tudo acabou bem e ele segue o mesmo. Teria sido mais interessante terminar com Jimmy sendo devorado pela dúvida de ter matado ou não o real culpado ou com a certeza de que matou a pessoa errada e seu erro deixou um assassino sair impune. Seriam, inclusive, desfechos mais alinhados com o pessimismo e descanto que o texto tenta construir.

Apesar de algumas boas ideias e ocasionalmente acertar no suspense, Os Pequenos Vestígios desperdiça um competente trio de protagonistas em uma trama anacrônica, sem personalidade e que se julga mais esperta do que realmente é.

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