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Crítica – O Milagre

Dirigido pelo chileno Sebastian Lelio, O Milagre fala da força da crença e das narrativas que sustentam essa crença. A trama, que adapta um romance de Emma Donoghue, se passa na Irlanda do século XIX e acompanha a enfermeira Wright (Florence Pugh). Ela é chamada a um remoto vilarejo para investigar o misterioso jejum de uma jovem, Anna (Kila Lord Cassidy), que supostamente estaria há meses sem comer e analisar a possibilidade de se tratar de um milagre ou algum importante desenvolvimento científico.

Os primeiros momentos mostram como a cidade foi tomada por místicos, curandeiros e pseudocientistas que tentam mostrar que há algo de extraordinário na garota. Os diálogos entre Wright e o comitê que a contratou deixam evidente que eles não estão interessados em descobrir a verdade sobre o que está acontecendo, mas que a vigília da enfermeira tem como objetivo oferecer algum grau de validação para a narrativa de que a garota de fato está há meses sem comer.


Como é de costume em seus trabalhos, Florence Pugh entrega mais uma performance bastante consistente. Ela trabalha com eficiência a racionalidade de Wright e o compromisso dela com a investigação e também com o bem-estar de Anna. Ao mesmo tempo, Pugh nos deixa ver que a conduta da enfermeira não se dá apenas por ética profissional, mas movida por traumas do passado e da perda de um filho. Nesse sentido, a trama torna compreensível o motivo de Wright ficar tão investida em ajudar Anna, já que ela vê na garota a filha que perdeu e fracassar com ela seria fracassar novamente como mãe.

O fato de que Wright é possivelmente a única que vê Anna como uma pessoa e não como um milagre ambulante a ser explorado é mostrado também no nível dos figurinos. Enquanto praticamente todos os personagens vestem cores escuras ou tons pouco saturados, Wright está quase sempre com um vestido azul de tom intenso que a faz se destacar dos demais e a coloca como um elemento visualmente diferenciado daquele lugar. Isso não apenas pontua sua condição de não pertencimento àquela comunidade, mas também sua postura de efetivamente contestar o discurso ao redor de Anna ao invés de aceitar ou forçar uma validação.

A jovem Kila Lord, por sinal, é bem convincente no fervor religioso de Anna, que se convenceu de que de fato está sendo sustentada por um poder divino quando a realidade é bem menos sobrenatural. A garota aos poucos vai demonstrando como essa devoção é sustentada por uma enorme medida de culpa. A revelação dos motivos pelos quais Anna se dedicava tanto àquela performance mostram o obscurantismo vil da época e como a religião pode servir mais como um aprisionamento do que como edificação.

O clímax do filme vai trabalhar justamente para ponderar como uma narrativa acaba sendo mais valiosa do que a realidade. Mesmo tendo provas do que realmente acontece com Anna, o comitê ignora Wright e continua a tentar validar a ideia de que se trata de um milagre. Como a menina mobilizou toda uma economia na cidade, a narrativa em torno dela se torna mais interessante do que falar sobre o que realmente aconteceu e, assim, o comitê parece disposto a qualquer coisa, mesmo deixar Anna morrer de inanição, para provar seu ponto.

A crença, portanto, é tratada aqui como uma força poderosa e irracional. Uma vez movidas por crenças as pessoas basicamente constroem uma realidade alternativa em seu entorno e agem sobre isso como se fosse verdade independente das consequências. Não é muito diferente do que temos visto no mundo real com toda a onda de desinformação e fake news, com algumas pessoas se afundando tanto na crença nessas informações falsas que se torna impossível dialogar. As narrativas ofereceriam meios para validar e nos fazer agir sobre essas crenças, mesmo quando sabemos que elas são construídas exatamente para isso.

Nesse sentido, os esforços metalinguísticos do filme em mostrar os bastidores do cenário e colocar uma narradora falando diretamente para a câmera comentando sobre a natureza construída do que estamos vendo soa redundante e demonstra certa falta de confiança no espectador. A trama principal da produção já fala sobre esses temas, sobre como as narrativas que guiam nossa conduta são construções não necessariamente conectadas ao mundo real, mastigar isso através das narrações e da metalinguagem acrescenta praticamente nada à mensagem e parece que está ali apenas para garantir que o espectador entenda as ideias em jogo.

Ainda assim, O Milagre é um envolvente exame sobre a força e alienação da crença sustentado por uma performance intensa de Florence Pugh.

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