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Crítica – Blonde

Biografias costumam seguir padrões narrativos bem previsíveis e como resultado muitas terminam iguais, são raros os casos de biografias de personalidades famosas conseguem fazer algo diferente, como Não Estou Lá (2007) fez com Bob Dylan. Em Blonde o diretor Andrew Dominik do padrão típico das biografias, mas ao invés de usar essa fuga e o esforço de imersão na subjetividade de sua biografada para explorar suas múltiplas facetas, o resultado é raso e unidimensional.

A narrativa acompanha Norma Jean (Ana de Armas) desde sua infância problemática com uma mãe instável até sua transformação na diva do cinema Marilyn Monroe, explorando seus relacionamentos e seus momentos mais icônicos. Há um claro recorte de explorar como ela foi explorada pela indústria, como os holofotes e olhares constantes lhe causaram problemas e dentro dessa proposta o filme faz escolhas estéticas que rendem momentos interessantes, mas, ao mesmo tempo, parece operar em paradoxo com sua proposta.

Há uma exibição constante de sexo, estupro e cenas em que a protagonista é forçada a fazer abortos por homens que controlam sua carreira. Essas imagens são construídas quase como um filme de terror, com alguém sendo o tempo todo subjugada por olhares e vontades masculinas. É como se Dominik pegasse o voyeurismo típico do cinema e voltasse contra o espectador, usando-o não para causar prazer, mas para incomodar, para nos deixar desconfortáveis pelo ato de olhar, por, de certa forma, sermos cúmplices em colocar Marilyn naquela posição. Do mesmo modo, o filme faz uma escolha consciente de dublar a voz de Ana de Armas nas cenas em que Marilyn se assiste no cinema, deixando muito evidente que se trata de outra voz justamente para construir o descompasso que a protagonista sentia entre sua persona midiática e seu “eu” real.

Por outro lado o filme, que acompanha Norma Jean da infância até a morte, não lhe dá espaço para ser qualquer coisa que não uma vítima. A personagem não tem qualquer arbítrio sobre o próprio destino, ela é fundamentalmente uma coisa sendo jogada de um lado para outro pelos homens da sua vida e também pelo próprio filme. Digo isso porque assim como a decisão de enquadrar tudo com uma atmosfera surreal de pesadelo foi uma decisão deliberada, a decisão de reduzi-la a uma vítima e limitar seu olhar sobre ela a alguém sofrendo para nos comiserarmos também é uma decisão consciente. Porque a vida de Marilyn foi de fato um inferno sob muitos aspectos, ela foi maltratada, usada, descartada, no entanto, ela também foi muito mais que isso.

Marilyn enfrentou o macarthismo e a comissão de atividades antiamericanas, combateu a segregação racial ao lado de Ella Fitzgerald, deixou um legado artístico de excelentes filmes e interpretações. Ainda assim o filme olha para toda a trajetória da atriz dando a impressão de que sua fama se devia apenas por sua beleza. De que o sucesso de produções como Os Homens Preferem as Louras (1953) ou Quanto Mais Quente Melhor (1959) se deveu apenas a sensualidade da atriz e nada mais, como se a aparência explicasse sua permanência na cultura audiovisual. A despeito de todo o mergulho na subjetividade da personagem e nas possibilidades que isso enseja (como nas conversas imaginárias com seus fetos) o filme nunca aproveita as possibilidades que esse tipo de abordagem pode abrir.

A Norma Jean aqui é uma figura unidimensional e rasa, que existe apenas como um bibelô descartável e não tem qualquer outra faceta. O filme exibe sua construção subjetiva como uma grande sacada (não deixa de ser até certo ponto), acreditando que apenas por abordar a subjetividade da protagonista já está produzindo um retrato complexo. Infelizmente não é o que acontece e resultado é redundante e desnecessariamente longo considerando o quão pouco há para ser dito sobre a biografada. É uma pena, já que há um esforço muito visível de Ana de Armas em nos apresentar todo o tormento psicológico de Marilyn, mas a atriz é limitada por um texto que a restringe a ser vítima e nada mais.

A despeito de tentar fugir de estruturas típicas de biografias e trazer algumas boas ideias, Blonde faz um retrato simplório da trajetória de Marilyn e acaba operando em paradoxo com sua própria proposta.

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