É inegável que a pandemia do novo coronavírus impactou a vida de todos de diversas formas, mas uma questão tem sido evidenciada por médicos psiquiatras e outros especialistas da área: o aumento das questões ligadas à saúde mental. Chamada de “quarta onda” da Covid-19, a ampliação de problemas como ansiedade, depressão, fobia, entre outros, acendeu um sinal de alerta sobre as consequências individuais e coletivas a curto, médio e longo prazo. De acordo com uma pesquisa do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), 51% das pessoas consultadas afirmaram que a pandemia teve um impacto negativo na sua saúde mental.
“Os impactos são alarmantes. Os fatores implicados nesse processo são o isolamento social necessário para conter o alastramento do vírus, as perdas econômicas, o medo e as incertezas quanto ao desfecho dessa crise global, além de vulnerabilidade biológica individual, herança genética e hábitos de vida aumentam as chances de o indivíduo adoecer”, destaca o psiquiatra Lúcio Botelho, diretor-médico do mais antigo hospital psiquiátrico de Salvador, o Espaço Nelson Pires, e diretor-médico, idealizador e co-fundador da OMNI – Centro de Terapias Biológicas.
Em atuação desde 2012 e com larga experiência no atendimento de pacientes portadores de diversas condições psiquiátricas, o especialista chama a atenção ainda para a pouca informação até agora sobre as consequências da Covid-19 no organismo humano. “O impacto do vírus SARS-CoV-2 no sistema nervoso central (SNC) e suas consequências para saúde mental também permanecem obscuros. Há evidências de que o novo coronavírus pode penetrar no SNC através da via olfatória ou circulatória, bem como pode ter um impacto indireto no cérebro, devido à tempestade de citocinas (inflamação). Relatos mostram que os pacientes com Covid-19 podem apresentar manifestações neurológicas como doença cerebrovascular aguda (AVC), distúrbio da consciência, distúrbios do paladar e olfatório”, afirma o médico, que é Membro da Sociedade Internacional de ECT e Neuroestimulação (ISEN) e preceptor do curso de Medicina da UNIFACS.
Segundo Lúcio Botelho, existem estudos que mostram que certos sintomas psicopatológicos podem aparecer em pacientes infectados, incluindo aqueles relacionados a transtornos psicóticos e de humor, bem como transtorno de estresse pós-traumático. “Evidências acumuladas também indicam que a pandemia pode ter um grande impacto na saúde mental do ponto de vista global, sendo os profissionais da área médica particularmente vulneráveis”, alerta.
Doenças associadas
Um estudo conduzido pela Universidade de Oxford apontou que a Covid-19 foi associada a um aumento da incidência de diagnósticos psiquiátricos nos três meses após a infecção. O aumento foi maior para transtornos de ansiedade, mas também estava presente para depressão, insônia e até demência. “Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP com a participação de médicos psiquiatras de 23 estados e do Distrito Federal revela que 47,9% dos entrevistados perceberam aumento em seus atendimentos após o início da pandemia.
A pesquisa também revela que 67,8% dos médicos receberam pacientes novos, pessoas que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes. Além disso, 89,2% dos médicos entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à pandemia de Covid-19”.
Tratamento
Diante de tantas questões, Lúcio Botelho afirma que procurar ajuda psiquiátrica e/ou psicológica precocemente é ainda a melhor forma de enfrentar os sintomas psiquiátricos advindos ou agravados com a pandemia. “O medo da contaminação e as estratégias para evitar o contágio como o isolamento social podem dificultar o acesso a essa ajuda”.
Para isso, o atendimento telepresencial (telemedicina) tem se mostrado uma ferramenta imprescindível”, aponta. “Tanto aqueles pacientes que fazem parte do grupo de risco, quanto aqueles que moram em localidades sem psiquiatra, passaram a ter seu sofrimento minorado com os atendimentos via aplicativos de chamada de vídeo e de voz”, acrescenta.
Outras inovações ocorreram nesse momento de crise sanitária. “A possibilidade de envio de receituário médico por aplicativos validados pelo Conselho Federal de Medicina também facilitou o processo”, completa.