A historiadora Mary Del Priore estará em Salvador na próxima quarta-feira, 10 de dezembro, para um bate-papo e sessão de autógrafos de seu mais recente livro, Uma história da velhice no Brasil (Editora Vestígio). Na oportunidade, ela conversará com a também historiadora e professora Lizir Arcanjo sobre esta e outras obras de sua autoria. O encontro acontecerá na Livraria LDM – Shopping Bela Vista (Alameda Euvaldo Luz, 92 – L2 – Horto Bela Vista), a partir das 18h30.
Em Uma história da velhice no Brasil, Mary Del Priore convida o leitor a explorar um tema complexo e pouco estudado: como o envelhecimento foi vivenciado e representado ao longo dos tempos no país, do século XVI ao século XX. O livro fala com humor do cotidiano, afetos, hábitos e das formas de driblar os problemas da velhice de nossos antepassados, usando documentos históricos, jornais, memórias, correspondências e depoimentos literários para, assim, traçar um painel da velhice de homens e mulheres ao longo de quatro séculos de história.
O assunto é cada vez mais relevante, afinal, o Brasil está envelhecendo. Dados do Censo 2023 do IBGE mostram que a população do país está mais velha e feminina do que nunca: o número de brasileiros com mais de 65 anos cresceu 57,4%, totalizando 22,2 milhões de pessoas, ou 10,9% da população. Essa nova configuração traz desafios econômicos, sociais e culturais, reforçando a necessidade de compreendermos como as vivências dos mais velhos vêm moldando a sociedade (ou sendo moldados por ela).
Mary Del Priore revela que a ideia de escrever o livro surgiu de experiências pessoais e da observação do contexto atual, onde o “velho” passou a ser tema de debates e reflexões. A autora investiga a maneira como a velhice foi construída historicamente, desde os primeiros habitantes indígenas até os desafios contemporâneos da terceira idade. Assim, se dedica a preencher uma lacuna na historiografia nacional, trazendo a tona o papel dos idosos em diferentes períodos e sociedades.
“A história mostra que tivemos velhos capazes de desenhar seu futuro e que não se restringiram àquele que lhes apontaram. Velhos que advertiam e que se divertiam. Velhos que reivindicaram e tiveram voz. Velhos que ‘esperançaram’ e se frustraram. Que carregaram em si a criança que foram e o ancião em que se tornariam. Que, depois de comandar a própria vida, simplesmente ficaram velhos. Para eles, envelhecer não era um crime punido com exclusão, mas um fato que variou segundo a condição física, geográfica, social, racial, de gênero, de crença etc. Impossível etiquetá-los”, escreve a autora.
A velhice como construção histórica
A historiadora parte de uma premissa fundamental: a velhice não é um estado meramente biológico, mas um fenômeno social e cultural que se transforma ao longo do tempo. Diferentes sociedades tiveram distintas formas de encarar o envelhecimento, o que reflete seus valores, crenças e modos de vida.
Nas sociedades indígenas pré-coloniais, por exemplo, os anciãos eram considerados sábios e tinham funções fundamentais dentro das tribos, como conselheiros e guardiões da memória coletiva. Com a chegada dos colonizadores europeus, o conceito de velhice passou a ser influenciado pelas concepções cristãs e renascentistas, que associavam o envelhecimento à decadência do corpo e ao pecado.
Nos séculos seguintes, a velhice esteve frequentemente associada à marginalização e à pobreza. Sem sistemas previdenciários até o século XX, os idosos que não tinham uma rede de apoio familiar enfrentavam dificuldades extremas. Paralelamente, a sociedade brasileira desenvolveu representações ambivalentes sobre os velhos: ora como figuras de respeito e autoridade, ora como um fardo para as gerações mais jovens.
Pesquisando a velhice: uma investigação inédita
O caráter inovador da pesquisa de Mary Del Priore reside na ampla gama de fontes utilizadas para reconstruir essa história. A autora vasculhou crônicas, relatos de viajantes, documentos administrativos, pinturas, fotografias, memórias e autobiografias para entender como a velhice foi vista e vivida ao longo dos séculos. “Comecei buscando o que pudesse existir nos arquivos. No início, era como boiar num mar calmo onde nada acontecia. A palavra ‘velho’ ou ‘velha’, assim como ‘velhice’, é quase invisível nos documentos até bem recentemente. É como se idosos não existissem e, talvez, nem fossem vistos”, comenta a autora.
A partir do século XX, com o avanço da medicina e a criação de políticas públicas voltadas para a população idosa, a percepção da velhice começou a mudar. Hoje, o envelhecimento da população brasileira tem sido acompanhado por debates sobre aposentadoria, mercado de trabalho para os idosos e a importância do envelhecimento ativo. No entanto, o preconceito etário, conhecido como “agismo” (ou ainda “etarismo”), ainda é um desafio a ser enfrentado.