Na década de 90, dona Joana da Paz, moradora de Copacabana, não se conformava com os tiros que ouvia de sua janela, com vista para um morro, e a facilidade com que homens circulavam muito bem armados, com anuência da polícia. Para mostrar para as autoridades o absurdo das cenas que via de sua janela (uma espécie de filme Janela Indiscreta da vida real), ela comprou uma filmadora e gravou diversas violências, levando às autoridades, que faziam pouco caso.
Quando o jornalista Fábio Gusmão percebeu o perigo em que ela estava se metendo, a ajudou, até o momento em que ela foi enviada para o Programa de Proteção às Testemunhas. Essa história é que movimenta o longa Vitória, que entra em cartaz nesta quinta, nos cinemas.
Na tela, há diferenças. Joana da Paz vira Josefina, interpretada magistralmente por Fernanda Montenegro. E Fábio Gusmão é Alan Rocha (Flávio Godoy). Tudo feito para manter o anonimato da senhora, que faleceu pouco depois do longa pronto. Filme esse que teve um revés inicial, já que o diretor Breno Silveira faleceu e foi substituído por Andrucha Waddington, que levou a obra até o fim das filmagens.
Baseado no livro Dona Vitória da Paz, escrito por Gusmão, Vitória acerta em cheio ao mostrar o etarismo que vivemos no Brasil. A primeira hora basicamente mostra como é difícil ser idosa, com pessoas maltratando, não levando o que fala em consideração e todo tipo de preconceito com os mais idosos – menos na relação terna de Vitória com Bibiana (a supreendente ótima Linn da Quebrada) e com Marcinho (o excelente ator mirim estreante Thawan Lucas).
Já Flávio Godoy, que interpreta o repórter, sofre um pouco mais porque seu personagem só entra na trama de cabeça já com mais de 1h de projeção. Uma das falhas do roteiro de Paula Fiuza e Fábio Gusmão foi o pouco tempo de tela da interação entre Alan Rocha e Josefina, o que faz o filme demorar de engrenar – mas, quando engrena, faz com estilo.
Interpretada por uma Fernanda Montenegro de 95 anos, a personagem tem uma força que é superior a qualquer outra do longa, e mostra porque a atriz é um monstro sagrado da dramaturgia mundial. Ninguém conseguiria fazer uma Josefina da Paz como ela. Basicamente a atriz carrega o filme. A forma como o diretor Andrucha Waddington filma ela sozinha, mesmo em ângulos abertos, rende belas imagens e aponta mais ainda como ela não tem ninguém.
Com uma Fernanda Montenegro soberba e uma história poderosa de luta do cidadão comum contra a violência utilizando a Justiça, Vitória é uma obra muito bem-vinda e que merece ser assistida no cinema.
