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Moraes Moreira tem onze álbuns inéditos em streamings liberados pela Sony Music

Capa de "Tocando a Vida" - Foto | Divulgação

Por uma fatalidade, um mês após o começo da pandemia do coronavírus, em abril de 2020, Moraes Moreira nos deixou, justo ele, um arauto da alegria, dono de uma voz e de um cancioneiro dos mais marcantes. Por não estar mais aqui, nos resta recordá-lo ouvindo seus inúmeros e ótimos álbuns, vários deles ressurgindo agora via streaming. Gravados na extinta CBS (1984-1991), nem todos estão entre os mais conhecidos de sua obra, porém valem muito serem redescobertos.

Por iniciativa do incansável time de Estratégia de Catálogo da Sony Music, que dá prosseguimento ao projeto de digitalização de seu catálogo, incluindo a restauração de tapes analógicos e projetos gráficos originais, além de “Cidadão” (1991), já disponibilizado, são lançados agora mais cinco álbuns de carreira, dois compactos (sendo um, de seu filho Davi Moraes), e quatro boas coletâneas (sendo uma delas uma coletânea dupla com Pepeu Gomes), disponibilizados a partir do dia 08 de dezembro.

Moraes Moreira foi nascido e criado na pequena Itaiçú, no sertão baiano, onde foi alfabetizado musicalmente ouvindo o serviço de alto-falantes e as emissoras de rádio locais que tocavam os artistas populares daquele tempo, como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Angela Maria, Anísio Silva e a turma roqueira do país que estava começando. Aos 17 anos, em 1964, foi para Salvador tentar a sorte. Ali se deparou com uma capital efervescente de grandes novidades: o Cinema Novo, a bossa nova, o trio elétrico, os shows do Teatro Vila Velha que revelaram, entre outros, Caetano e Gil, que dali a alguns anos fundariam a Tropicália.  

Novos baianos

No final da década, ele já estava ao lado de Baby Consuelo (hoje “do Brasil”), Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor e do poeta Luiz Galvão no grupo Novos Baianos, que, migrando para o Rio de Janeiro, marcou época não apenas pelo sucesso, como pelo visual e postura hippies, vivendo numa comunidade em Jacarepaguá, zona oeste da cidade, na base do “paz e amor”. Moraes foi o principal compositor do grupo, junto ao letrista e poeta Galvao, tendo sido grande responsável pela inventividade musical do grupo, que marcou a música brasileira e influenciam gerações até hoje.

A carreira solo veio em 1975 e o nome artístico Moraes Moreira (antes era apenas Morais) lhe foi sugerido pelo empresário Guilherme Araújo. Na mesma época, ao lado de Armandinho somou-se o pioneiro Trio Elétrico Dodô e Osmar, produzindo seu primeiro disco, e compondo o hit “Pombo correio”, baseado numa velha melodia dos dois. Em 1976, já era o primeiro cantor a vocalizar em cima de um trio, na Bahia, ainda de forma rudimentar, pois até então eram apenas instrumentais.

Pós anos 70

Entre o fim dos anos 1970 e o início da década seguinte, vieram muitos sucessos e novos parceiros, como Fausto Nilo, Abel Silva, Tom Zé, Fred Góes, Guilherme Maia, Zeca Barreto, Risério, Capinam, Toni Costa e tantos outros. Na mesma época, medalhões da MPB, como Gal Costa, Simone, Ney Matogrosso, MPB/4, Amelinha, Elba Ramalho estouraram com músicas de sua autoria, na maioria, criadas exclusivamente para eles. Estava consagrado.

Foi nesse contexto que, após passar pela Som Livre e pela Ariola, Moraes assinou com a CBS. Seu primeiro álbum, “Mancha de Dendê Não Sai” (1984), passeava por usos e costumes de vários cantos do Brasil, como Minas, Bahia, Goiás, Rio e Pernambuco, abordando assuntos que iam da cultura dos orixás ao tempero do dendê, passando pela exaltação aos ritmos pernambucanos do frevo e do maracatu, pelo futebol carioca no Maracanã e o contraste do mar com o sertão, sem esquecer o trio elétrico, tema da canção “Caminhão da alegria”.

Vale mencionar parcerias como Dominguinhos (o xote pop “Beijo de planeta”), Fausto Nilo (na delicada “Carro alegórico”) e Paulo Leminski (na funkeada faixa-título). Ainda em 1984, seu filho Davi Moraes, então com 11 anos de idade, ganhava um compacto com o aval paterno, marcando a estreia do futuro grande músico, trazendo “Papai no Colégio”, de Moraes e Ziraldo, tendo do outro lado o tema instrumental autoral “Pai e filho”.

Abertura de novelas

Em 1985, foi a vez do álbum “Tocando a Vida”, cuja canção mais conhecida é o samba “Santa fé”, tema de abertura da novela de maior sucesso de todos os tempos, “Roque Santeiro”, da TV Globo. O álbum, realizado em pleno boom da retomada do rock brasileiro nas paradas, abria justamente com um exemplar do ritmo, “Alma de guitarra”, dele com Paulo Leminski. Eclético, gravou o belo choro “O bandolim de Jacob” (com Armandinho), em tributo ao ás do gênero, Jacob do Bandolim.

Na verdade, este álbum é uma elegia aos instrumentos musicais, há temas evocativos também à bateria, ao violão, ao piano (“ex-cravo”), ao acordeon (“e a sanfona”), ao cavaquinho, à flauta até chegar à última faixa, quase uma “bonus track”, o afoxé de tempero pop “Olhos de Xangô”. No final do ano, ele lançou o compacto “Moraes Carnaval Moreira” com duas músicas para a folia de 86, “Cara de robô” (com Fausto Nilo) e a autoral “República da música”.

“Mestiço é isso” (1986) foi seguramente seu álbum da CBS de maior sucesso, por trazer “Sintonia”, dele com Fred Góes e Zeca Barreto. Vendo a mudança rumo ao brega-romântico do mercado musical de então, Moraes, numa espécie de metalinguagem, criou uma canção bem popular sob medida para o gosto radiofônico vigente.

Deu certo. Incluída na trilha da novela das sete da TV Globo, “Hipertensão”, a canção ficou mais de seis meses nas paradas: “Escute esta canção / Que é pra tocar no rádio / No rádio do seu coração / Você me sintoniza / E a gente então se liga nesta estação / Aumente o seu volume / Que o ciúme não tem remédio…”. O álbum se completa com um belo medley de grandes marcha-frevos autorais que obtiveram sucesso em vários carnavais passados, além de canções com participações de seus conterrâneos Caetano Veloso (“Bloco do povo”), Gilberto Gil (“Salvador é um Porto Seguro”) e Luiz Caldas (“Pernambuco, Jamaica e Bahia”).

O ano de 1988 rendeu dois álbuns lançados pelo cantor. O primeiro foi “Baiano fala cantando”, que destacou a faixa de abertura, “Por que parou, parou por que”, dele com Guilherme Maia, que por muitos anos puxou o coro de bis ao final dos shows de MPB em vários cantos do país. O filho Davi Moraes reaparecia na autoral “Som do sonho” e o ritmo da moda, paraense, que virou febre nessa época a partir de Porto Seguro, na Bahia, marcava presença na igualmente autoral “Lambada de amor não dói”.

O segundo álbum do ano, “República da Música”, fazia alusão no título à chamada Nova República, que naquele ano promulgava a nova constituição federal, até hoje em vigor. Entretanto, na mesma época, também apareceram latas de maconha boiando no litoral carioca, que imediatamente entraram para o folclore urbano, daí o fato de uma delas estar estampada na capa do álbum, trazendo no rótulo, justamente, o título do disco.

O mesmo destacava a romântica “Vem me perdoar” (com Zeca Barreto), na linha de “Sintonia”, além de regravações de “Ferro na boneca” e “Preta pretinha”, da época dos Novos Baianos – a primeira delas trazendo a participação dos seus colegas de grupo, Baby, Pepeu e Paulinho Boca de Cantor.

“Moraes & Pepeu” (1990), então seu 15º álbum, mostrava as parcerias com seu ex-companheiro de grupo e eterno amigo Pepeu Gomes, num vitorioso disco, que deu origem a uma turnê internacional, os levando até mesmo ao Japão, cujo maior sucesso por aqui foi a canção “A lua e o mar”, deles com Fausto Nilo, inclusa na trilha da popularíssima novela “Tieta”.

Também se destacou o afoxé “É bom suar”, deles com Fred Góes, brincando com a pronúncia semelhante da saudação francesa “bon soir” (boa noite). Por fim, a coletânea de Moraes da série “Brilhantes” (1997), rebobina várias das faixas já citadas neste texto, efetivamente algumas das mais representativas gravadas em sua fase CBS, incluindo a canção “Cidadão”, faixa-título de seu álbum de 1991, e uma bela regravação de “País tropical” e “Chove chuva”, de Jorge Ben, para o CD coletivo “Bossa nova, para fazer feliz a quem se ama” (1988), produzido por Roberto Menescal.

O swing, a potência criativa e o alto astral únicos de Moraes Moreira estarão sempre conosco, a cada faixa revivida por nós, agora nem tanto em mídias físicas, mas nas novas plataformas de streaming, que a Sony Music em boa hora ajuda a ampliar seu cardápio de opções.

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