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Crítica – Let Them All Talk

Desde que retornou da autoimposta “aposentadoria” o diretor Steven Soderbergh tem se interessado em projetos que de algum modo apresentem algum tipo de desafio logístico ele. Seja em tentar distribuir por conta própria como em Logan Lucky (2017), seja o esforço de uma série interativa não linear em Mosaic (2018), o desafio de filmar com celulares em Distúrbio (2018) ou em High Flying Bird (2019) ou de realizar toda a filmagem de um longa-metragem no tempo de uma viagem de navio entre Estados Unidos e Inglaterra como acontece neste Let Them All Talk, produção original da HBO Max.

A trama é protagonizada pela escritora Alice (Meryl Streep). Obsessiva e perfeccionista com o seu trabalho, ela está enfrentando problemas na escrita de seu livro mais recente. Com uma nova editora, Karen (Gemma Chan), que insiste em checar o progresso dela, Alice aceita a sugestão de viajar de navio para receber um prêmio na Inglaterra. Na viagem ela é acompanhada pelo sobrinho Tyler (Lucas Hedges) e pelas amigas Susan (Dianne Wiest) e Roberta (Candice Bergen), com quem Alice parece ter uma relação conflituosa por conta de problemas no passado.


A narrativa se passa quase que inteiramente dentro de um cruzeiro e dá para sentir um clima mais suave, descontraído, ao longo do filme, quase como se boa parte das cenas tivesse sido construída de improviso. Essa natureza mais relaxada inicialmente cria um contraste curioso com os temas principais da trama que fala sobre uma artista fechada em um processo criativo extremamente controlador e a necessidade de compreender que um artista nunca vai ter pleno controle sobre como as pessoas vão receber sua obra.

Soderbergh sempre teve uma abordagem mais solta em seu modo de fazer filmes, constantemente comentando que não conseguiria operar no nível de detalhamento e perfeccionismo de alguns de seus amigos realizadores como David Fincher, de quem Soderbergh uma vez falou sobre se sentir cansado só de vê-lo trabalhar na montagem de O Quarto do Pânico (2002). Não que aqui Sodebergh faça um ataque a diretores como Fincher, é menos uma crítica e mais uma ponderação sobre como toda essa energia investida nesse controle excessivo nunca vai dar a um realizador essa capacidade plena de direcionar como as pessoas vão entender e interpretar sua obra.

A questão é que esses temas ficam diluídos na natureza errante da trama, acompanhando os personagens por conversas em restaurantes, salões de jogos ou outras atrações do cruzeiro que fazem pouco para avançar a trama ou desenvolver os elementos principais desses personagens. Claro, o elenco é competente o bastante para investir essas personagens de sentimento e desejo o suficiente para que essas interações não sejam totalmente entediantes, mas o filme demora em chegar aos seus pontos principais.

Mesmo quando chega, na verdade, essas ideias são pouco desenvolvidas e Soderbergh não consegue sair da superfície desse olhar sobre os problemas que esse excesso de controle e deliberação no processo criativo podem causar. Nas mãos de uma atriz menos competente, Alice poderia ser uma caricatura unidimensional, mas Streep injeta nela uma empatia e calor humano que nos permitem ver outras camadas além dos lugares comuns da artista obcecada com a própria obra. Talvez isso aconteça justamente porque essa abordagem ao processo criativo é algo que não faz sentido para Soderbergh, então ele não consegue alcançar nenhum tipo de compreensão mais pungente sobre sua protagonista.

A ideia de filmar tudo em locação em um cruzeiro real gera imagens que são puro deleite visual, com os personagens caminhando pelo deck sob um céu noturno estrelado ou em meio à névoa matinal. A despeito do prazer estético, no entanto, não sei dizer até que ponto essa escolha por fazer tudo, até os ambientes internos, em locação durante um cruzeiro real melhora a imersão dos espectadores ou do elenco. Inclusive por não ser o primeiro filme feito nesse regime. O brasileiro Meu Passado Me Condena (2013) também foi todo filmado durante um cruzeiro (com direito aos passageiros reais servindo de figurantes) e não é lá grande coisa.

Apesar de um elenco envolvente e provocações importantes sobre o labor artístico, Let Them All Talk nunca consegue produzir algo impactante com material que tem em mãos. Ironicamente, talvez com um realizador com um processo mais deliberado e perfeccionista conseguisse ir mais fundo nas questões que atormentam a protagonista.

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