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Crítica – Estados Unidos vs Billie Holiday

É impossível dar conta da vida inteira de uma pessoa em uma biografia. Não há como dar conta 100% de tudo que a pessoa é e foi, principalmente em duas horas de duração de um filme. Assim, é inevitável fazer recortes sobre certos aspectos da vida da pessoa biografada, escolher um momento específico, uma relação específica, um aspecto específico da vida da pessoa. Este Estados Unidos vs Billie Holiday parece inicialmente ter um recorte bem definido do que quer mostrar da vida da cantora de jazz, mas logo se perde em várias direções, o que prejudica o filme.

A narrativa é focada na cantora Billie Holiday (Andra Day) e na perseguição do governo dos Estados Unidos contra ela por conta da canção Strange Fruit, que narra de maneira bastante gráfica os linchamentos cometidos contra pessoas negras no sul do país. Como não podiam simplesmente censurá-la, tentam prendê-la pelo uso de drogas e para isso usam o agente Jimmy Fletcher (Trevante Rhodes) para se aproximar dela e coletar informações.

O letreiro inicial deixa claro que isso é um exame sobre a perseguição do Estado contra a cantora por denunciar o racismo, no entanto, o filme nunca foca apenas nisso, se dividindo em várias outras direções falando dos relacionamentos afetivos da cantora, das dívidas e outros problemas. São muitas digressões que pouco acrescentam à trama e tem pouco impacto no que deveria ser o conflito principal.


Cenas, por exemplo, como a de Billie com a atriz Tallulah Bankhead (Natasha Lyonne) em um hotel no qual Billie é forçada a usar o elevador de serviço são pouco pertinentes para a questão da canção e os problemas com o governo e apenas servem para denunciar um racismo que já vimos em outras instâncias. A ideia de enquadrar a trama a partir de uma entrevista que a cantora faz também acaba fazendo pouca diferença no esquema geral da trama, com as cenas no presente com a cantora confrontando o entrevistador não fazendo muita diferença. Durante boa parte da duração o filme parece esquecer o conflito principal e foca na cantora viajando em turnê com sua banda, nos diversos amantes que ela teve, mas pouco fala do conflito central.

Tudo faz o filme parecer desnecessariamente longo, arrastado e sem foco. Em muitos momentos eu me perguntava exatamente que história o diretor Lee Daniels queria contar sobre sua biografada, já que ele atira em várias direções e nenhuma parece funcionar. A própria canção Strange Fruit só é cantada uma vez ao longo das mais de duas horas e o filme faz pouco para mostrar o impacto dessa música nas comunidades negras. O texto nos informa sobre esses impactos, mas não nos faz vê-los. Isso, na verdade, é outro problema, o excesso de exposição e didatismo das falas. Tirando Billie, os personagens não conversam entre si, eles falam como se estivessem dando aula sobre os assuntos do filme ao espectador e explicando os eventos da trama ao invés de deixar os personagens vivenciá-los. Como isso, as falas soam artificiais, já que não parecem que estamos vendo duas pessoas conversando com naturalidade.

O diretor Lee Daniels se perde ainda em floreios estilísticos que acrescentam pouco à experiência e soam mais como excessos ou exercícios desnecessários do que algo que agrega à experiência ou a uma imersão emocional ou sensorial. Toda a fotografia tem tons de sépia e luzes levemente estouradas, fazendo os contornos da imagem parecerem levemente borrados. É o tipo de coisa que muitas vezes se usa em flashbacks (sépia convencionalmente é usado para evocar nostalgia), mas como o filme é todo um grande flashback o recurso não faz diferença em localizar passado e presente. Inclusive porque dentro dessa história que Billie conta na entrevista existem outros flashbacks como o momento em que vemos um fragmento da infância dela.

Assim, o recurso faz pouco para conotar tempos ou espaços diferentes já que é o mesmo o filme inteiro. Alguém poderia dizer que esse borramento da imagem seria o das memórias da personagem ou do seu torpor de drogas, porém mesmo em cenas em que Billie não está presente e que não teria como saber o que aconteceu (lembrem que tudo é mostrado como se fosse ela contando a história em uma entrevista) o que sequer faz sentido que apareça no filme. É algo relativamente comum na filmografia de Lee Daniels, que em filmes como Obsessão (2016) também usava diferentes recursos estilísticos que agregavam pouco à trama.

Andra Day como Billie Holiday é a melhor coisa do filme, captando de maneira envolvente a personalidade magnética e encantadora da artista ao mesmo tempo em que nos permite ver a dor, a solidão e a amargura que a afligem. É uma pena, portanto, que tudo que existe ao redor dela seja superficial e unidimensional, como Jimmy, que se limita ao clichê do agente da lei dividido entre as ordens que recebe e seu próprio senso de correção moral. Day dá tudo de se como Billie e merecia um filme que fizesse jus ao trabalho dela e da importante história sobre perseguição e racismo que conta.

Infelizmente, a despeito de uma ótima performance de Andra Day, Estados Unidos vs Billie Holiday é prejudicado por uma trama sem foco, que se arrasta mais do que deveria e perde de vista o recorte que inicialmente propõe.

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