Entrevista

Bahia Social Vip entrevista Elsimar Coutinho, que completa 90 anos no auge da lucidez

“Esse é um vírus sobrevivente de outros que já existiram no planeta e, infelizmente, não creio que teremos uma vacina muito em breve. Enquanto humanos, penso que durante o tempo que convivermos com o vírus haverá mudança no nosso modo de encarar a vida, mas passando essa situação, alguma medicação será criada para interromper a sua multiplicação em nosso corpo, ou quem sabe, já terá sido desenvolvida alguma vacina e poderemos retomar à normalidade

A lucidez caminha ao lado do médico baiano Elsimar Coutinho, que hoje, nesta segunda-feira, 18 de maio, comemora 90 anos de vida, boa parte deles, debruçados no amor à medicina, revolucionando o debate sobre a saúde feminina. Natural de Pojuca, Elsimar seguiu os mesmos passos de seu pai, seu grande ídolo, exceto o de ser prefeito.

Graduado em Farmácia e Medicina pela Universidade Federal da Bahia, fato é que esta personalidade da área de saúde, orgulha-se que não há motivos para se orgulhar, afinal, de acordo com ele, “eu não me fiz”. Uma de suas maiores contribuições ao mundo científico foi conhecida por todos: a tese de que a menstruação é nociva e supérflua.

Ok. Em plena atividade, ele preside o Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução Humana (Ceparh), no bairro da Federação, e dirige a Clínica Elsimar Coutinho – que está presente em três capitais brasileiras – na Rua Chile, um dos pontos turísticos da capital baiana, há 50 anos. Em tempos de quarentena e isolamento social, o jornalista Marcello Fontes, do site Bahia Social Vip, entrevistou o nonagenário, através de e-mail e áudios via WhatsApp, em uma conversa, onde o médico fala sobre medicina, saúde da mulher, menstruação, publicação de livros, desafios da ciência em tempos da Covid-19, seus 90 anos e muito mais. Confira agora

Amor à Medicina: como se deu e o porquê da escolha da carreira?

A explicação é bastante convincente: eu sempre quis ser como meu pai. Ele foi prefeito de Pojuca, professor, farmacêutico e médico, além de uma pessoa muito educada e querida, sobretudo por ser o maior gestor municipal da cidade. Via a fila na porta da minha casa de pessoas que queriam ser atendidas por ele, além disso meu pai era o “dono da farmácia” e o único médico da cidade. Vivi a maior parte de minha infância em Pojuca, convivendo com ele, que sempre foi um exemplo para mim, e aos meus sete, anos nos mudamos para Salvador e fomos morar em Itapagipe onde meu pai montou seu escritório. Na capital baiana segui minha vida estudantil e trilhei os mesmos passos do meu ídolo. Cursei farmácia e, ao término desta graduação, fiz o curso de medicina, ambos no Terreiro de Jesus, no antigo campus de Medicina da Universidade Federal da Bahia, que na época se chamavam Faculdade de Farmácia e Faculdade de Medicina.

Saúde da mulher: qual sua visão a respeito da saúde da mulher? Elas se cuidam mais do que os homens? Como foi sua contribuição para a saúde feminina?

De diversas maneiras eu consegui contribuir com a saúde da mulher. A partir da convivência com o público feminino busquei tratar o que elas queriam alcançar, fosse o desejo de engravidar ou o interesse em não ter filhos. No caso das que sonhavam com a maternidade, eu iniciava meu trabalho analisando o espermograma dos seus maridos, para ver se não era uma responsabilidade dele a dificuldade da fecundação. Era feito também exame físico nas mulheres e, seguia incessantemente na busca do que estava faltando para que a geração de uma nova vida acontecesse. Para quem não queria ter filhos, que eram muitas, eu comecei a me voltar para a contracepção, que na época que eu passei a estudá-la não existia sequer o termo anticoncepcional. No meu laboratório, passei a fazer estudos da reprodução humana, dosando hormônios femininos na urina e no sangue para ver como estava a saúde da mulher. Na época, eu ainda cursava o terceiro ano de medicina e me encantei pela saúde hormonal, porque percebi que o que nos define enquanto homem, mulher ou qualquer outra espécie animal depende dos hormônios. Me fascinei pela endocrinologia! Hoje percebo o quanto ganhei fazendo o curso de farmácia e medicina, porque as duas formações me permitiram a criação dos implantes hormonais. Foi necessário passar por etapas. Quem pilota avião, precisa saber dirigir um automóvel antes. Por sua vez, é preciso ter aprendido andar de bicicleta inicialmente. Meu caminho para chegar aos implantes hormonais foi assim… um passo de cada vez. Muitos colegas me julgaram por ter feito as duas graduações, mas só ganhei.

Menstruação: nociva e supérflua? Qual seu pensamento sobre este fenômeno inerente às mulheres?

A menstruação é totalmente supérflua e por isso as mulheres podem deixar de menstruar, mesmo que não tenham engravidado. A partir dessa tese lancei um livro nos Estados Unidos com o título “Menstruação: a sangria inútil”, onde explico que a menstruação é uma espécie de aborto do ovo que não foi fertilizado. Se a mulher não precisa ovular, ela não menstrua. E a repetição da menstruação por anos é fonte de doença para a mulher, a exemplo da endometriose e anemia coletiva. A supressão da menstruação é uma escolha e, a minha descoberta do primeiro anticoncepcional injetável do mundo, o Depo-Provera, se deu como uma surpresa: recebi o produto para testar o impedimento de aborto e parto pré-maturo e além desses impedimentos, havia também como efeito a suspensão da menstruação.

Pandemia e a covid-19: enquanto médico e ser humano, o que o senhor acha desta esfera letal?

A covid-19, assim como outras patologias que surgem repentinamente, são oriundas de vírus que aparecem e se alojam no ser humano. A natureza está sempre criando novas formas de vida que procuram onde se alojar. Esse tipo de vírus já apareceu para nos incomodar diversas vezes. A gripe, por exemplo, é virulógica. Quem nunca foi ficou gripado? Agora, quando é um vírus novo, que leva mais tempo para criar anticorpos, demora mais o processo. Esse é um vírus sobrevivente de outros que já existiram no planeta e, infelizmente, não creio que teremos uma vacina muito em breve. Enquanto humanos, penso que durante o tempo que convivermos com o vírus haverá mudança no nosso modo de encarar a vida, mas passando essa situação, alguma medicação será criada para interromper a sua multiplicação em nosso corpo, ou quem sabe, já terá sido desenvolvida alguma vacina e poderemos retomar à normalidade. Espero que com o alto número de óbitos decorrente da covid-19 o governo invista mais na área medica preventiva para conseguirmos entender esses fenômenos e nos defendermos com mais segurança.

Quais os principais desafios da ciência nos dias de hoje?

Em todo o mundo, o maior desafio da ciência atualmente é desenvolver uma proteção contra a covid-19, para que não seja mais necessário o isolamento social.

90 anos: o que dizer sobre esta nobre idade, quais os sonhos a serem realizados, o que o senhor espera do futuro?

Me sinto muito feliz por estar com saúde e poder comemorar mais um ano de vida junto com os meus familiares, ainda mais em Interlagos com a vista privilegiada que tenho por aqui. Infelizmente, este cenário de pandemia não me permite comemorar como eu queria, mas o que desejo é que algo de bom surja dessa experiência que estamos vivendo. A festa fica para 2021 (risos).

Livros publicados:

  • O Sexo do Ciúme (1988)
  • O Descontrole da Natalidade no Brasil (1988)
  • Menstruação: a sangria inútil (1999)
  • Vivendo sem regras e sem TPM (2007)
  • Bahia, menos violência, mais felicidade (2009)
  • A Melhor Coisa da Vida (2014)

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