Até quando perderemos nossos prédios históricos pela falta de ações preventivas? As imagens da Catedral de Notre-Dame de Paris e do Museu Nacional no Rio Janeiro em chamas chocaram o mundo no começo deste ano. Recentemente, foi a vez de a capela histórica de Santa Rita, em Diamantina (MG), ficar em ruínas após um incêndio.
A perda dos patrimônios históricos poderia ser minimizada caso os prédios tivessem sido escaneados preventivamente com imagens 3D. Mas, das três edificações incendiadas, apenas uma – adivinhe se no Brasil ou na França? – passou pelo escaneamento: sim, a Catedral de Notre-Dame. Reproduzido com imagens a laser de cada detalhe em um arquivo digital, em 2015, o prédio francês poderá ser restaurado de forma detalhada com base em suas formas originais. E o mesmo poderia ser feito, com o mesmo grau de fidelidade às construções originais, se o Museu Nacional e a capela de Diamantina tivessem sido escaneados preventivamente com imagens 3D.
Apesar disso, o Brasil não está fora desse movimento. De maneira pioneira, edifícios tombados estão sendo escaneados por brasileiros. Em Curitiba, o Teatro Paiol, antigo Moinho Rebouças e Solar do Barão” estão sendo escaneados com tecnologia semelhante à empregada e Notre-Dame. Em Monte Santo (BA), com o suporte tecnológico da Kemp – empresa de levantamentos, projetos de arquitetura e complementares e gerenciamento de obras, que atua em todo o território nacional –, o arquiteto e mestrando Timóteo Ferreira escaneou os edifícios e as ruas de sua cidade natal.
Palco da Guerra de Canudos, o município neste ano também sofreu com um incêndio que atingiu a sua Igreja Matriz. “O local é um marco na cidade, tendo sua construção finalizada em 1791. No entanto, não encontramos nenhuma documentação gráfica da igreja. Como a escaneamos antes do incidente, acredito que esse trabalho possa contribuir para a sua reconstrução de forma fiel ao modelo original, já que temos imagens tridimensionais precisas de como eram as estruturas da igreja, preservando assim a memória do patrimônio histórico e contribuindo para ações de restauração do edifício”, afirma Ferreira.
A tecnologia como uma aliada
Foram quatro dias escaneando o sítio histórico tombado e mais seis dias de processamento a cidade com o equipamento FOCUS S70. Com tecnologia de ponta, o equipamento custa em média R$ 300 mil. “Este equipamento veio dos Estados Unidos. Existem poucas unidades próprias no Brasil do Focus S70 ”, diz o arquiteto. Ele complementa que este Laser Scan terrestre é um dos principais do mercado e tem como diferencial o processamento das varreduras georreferenciadas rapidamente em campo.
Dessa forma, o FocuS 70 portátil permite realizar medições de construções e objetos complexos de forma rápida, simples e precisa. Registra fachadas arquitetônicas, estruturas complexas, instalações de produção e de abastecimento, locais de acidentes e componentes de grande volume. Além disso, apresenta resultados realistas e detalhados de varreduras de até 70 metros cada.
O equipamento usa um feixe laser que é direcionado aos objetos e permite capturar, visualizar e modelar tridimensionalmente cenas com alta precisão. Com início no ano passado, o trabalho realizou com esse equipamento aproximadamente 100 varreduras pela cidade e Via Sacra.
Após o escaneamento, foi possível gerar uma planta da cidade com informações sobre medidas e nível das ruas, dos lotes, das quadras e das edificações. Como resultado também é possível reunir modelos geométricos tridimensionais, volumétricos, das quadras do centro histórico com as respectivas edificações, de maneira a contribuir com a tutela e reconhecimento deste patrimônio nacional.
Projeto nasceu como pesquisa de mestrado
O processo de escaneamento digital de Monte Santo é uma das etapas da pesquisa de mestrado de Ferreira. Realizado sob orientação da professora doutora Regina Andrade Tirello para o programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo se propôs a aprofundar e ampliar o inventário arquitetônico da cidade.
Segundo o pesquisador, o valor histórico da cidade de Monte Santo foi um dos principais motivos para que ele a escolhesse como objeto de estudo. Localizado no sertão baiano, o município foi fundado em 1775. “A região abriga o primeiro monte sacro da América Latina, que é composto por um caminho de pedras de aproximadamente 2km a 490 metros do nível do mar, que constitui-se em um marco dos movimentos religiosos de peregrinação do Brasil”, afirma. Para o escaneamento, foram priorizadas as áreas tombadas e de interesse do conjunto, no entorno da Serra do Piquaraçá e as Ruas Frei Apolônio de Todi, Coronel José Cordeiro, Barão de Geremoado e Rua das Flores.
As principais igrejas da via sacra também tiveram suas estruturas transformadas em imagens 3D. “Ter os registros destes edifícios históricos é importante para acompanhar os processos de tombamentos, caso ocorra alguma irregularidade e para a difusão destes bens culturais”, diz o arquiteto.
Percebendo a importância do projeto, a Kemp decidiu criar um programa social para escanear outras cidades. Assim, futuramente, esta ferramenta online permitirá que os internautas visitem sítios históricos escaneados, conhecendo virtualmente suas ruas e edificações.
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